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Hoje está chovendo, não poderei sair, como de hábito, correr ou caminhar uns quilômetros, e depois voltar para casa. Não dá para ver as belezas do tempo seco. É preciso, portanto, contentar-me com o “tempo molhado”, quando não se pode contemplar as formas maravilhosas das nuvens em movimento, luminosas, atravessadas por raios de sol aqui e ali. 

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Fica difícil imaginar o contraste do dia claro com as trevas caóticas da noite. Mas não é impossível pensar nas imensidades verdes dos bosques, nem esquecer as belezas das árvores floridas na primavera. Nem é possível esquecer o firmamento de cetim azul, mesmo que amarfanhado ou rasgado nas nuvens que foram atravessadas pelos aviões que passam distantes, deixando longos rastros no céu. Aviões feitos de metal fundido, com asas que cortam os céus, lembrando a magia das distâncias que percorremos durante a vida, apesar das toneladas que constituem o peso da vida.
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Quanto a mim, nasci no exato momento em que se declarava a II Guerra Mundial, que terminou cinco anos depois, com uma hecatombe apocalíptica em Hiroshima e Nagasaki. O tempo passou num instante, embora lembrados a todo momento que o apocalipse é possível, ainda hoje — a União Europeia e a OEA estão com a palavra, na defesa da indústria armamentista. Estou no tempo em que os velhos se veem obrigados a dizer: “isso foi a cinquenta ou sessenta anos”. Porém, os acontecimentos catastróficos consecutivos, na ação humana contra a humanidade, parecem-me, ou fazem-me dizer: “será hoje ou amanhã que vão acabar com o planeta de vez?”
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Nasci quase no meio do século 20, o qual às vezes me parece um instante. À medida que os anos passam, passam mais rápido os anos. Há, potencialmente, bombas nucleares não só para destruir toda a vida na terra, como também para fazer a terra sair de órbita e perder-se, vazia e fria, na imensidão do espaço sideral. Pode ser assustador para a minha geração, mas nem um pouco para os jovens de hoje.
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Isso me parece magnífico, e quase tenho vontade de gritar “bravo!”, vocês ignoram a capacidade humana para a destruição. Vocês não creem que, em primeiro lugar, a ciência é inimiga do homem. Eu creio. Nem acreditam que os grandes problemas ambientais constituem um aviso para o que virá daqui a pouco. Vocês afagam o instinto de onipotência que levará sua geração à destruição. Quanto à minha, não tem problema, já está destruída. O planeta já alcançou 7 bilhões de habitantes, 3 bilhões sobrevivem mergulhados na miséria, pouco mais de 1 bilhão vive em ilhas de relativo desenvolvimento e conforto. Esquivo-me de falar sobre a destruição do meio-ambiente, e das poucas bem-sucedidas medidas para o equilíbrio humano-ecológico…
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Quando falo dos acontecimentos da minha juventude, que me parecem ainda próximos, sou obrigado a dizer: “Isso foi há cinquenta ou sessenta anos”. Outras vezes, penso, a vida me parece longa. A criança, o adolescente que fazia estripulias incontroladas nas cercanias de uma pequena cidade do interior do ES, chupando cana tirada do molho, pegando goiaba madura no pé, enquanto fugia dos marimbondos, parece que não era eu. Vejo-me obrigado a usar a terceira pessoa do singular, para referir-me a mim mesmo no passado.
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Nos últimos cinco anos, teve início a minha “verdadeira velhice”. Passei por diversos problemas, de extrema gravidade, com familiares. Perdi os irmãos que me restavam, na pandemia. Exercito-me fazendo corridas leves, ou indo a algum lugar onde possa exercitar-me. As pernas, antigamente tão fortes, parecem bem. Os olhos estão bons, uso óculos para lidar com o computador ou dirigir, e até mesmo a cabeça está boa, sem esquecimentos frequentes, não me falta a coordenação… Por enquanto. Sei o que me espera. Hospitais e clínicas, ainda não precisei. Mas frequento-os  para revisões periódicas. Não tenho horror a hospitais, porque vi o quanto médicos e os recursos que neles existem beneficiaram minha mulher. Meu cardiologista é mais velho que eu. Compareço a exames periódicos. Sei que minha saúde pessoal também está cercada de ameaças. Além de tudo, tenho consciência da minha decrepitude. Mas, não tenho medo nem da velhice provecta, nem do juízo final ou da morte. Já escrevi meu testamento filosófico. Quem quiser já pode ler. 

Derval Dasilio
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