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INTRODUÇÃO – Quando foi fundada a igreja da qual sou historiador e pastor emérito, uma frase percorreu o Brasil: “Essa é a igreja dos nossos sonhos”, dizia-se da IPU. E mais, a IPU é “uma igreja solidária”. Não demorou muito que fosse substituída pelo pesadelo fundamentalismo evangélico e que o bolsonarismo a invadissem. E, por fim, praticamente dela tomassem conta. Os grandes nomes que marcaram as lideranças de sua fundação, Rubem Alves, Jaime Whright, João Dias de Araújo, Áureo Bispo, Domício Costa, Joaquim Beato, Claude Emmanuel Labrunie, deixaram de influenciá-la, ou merecer sua reverência, enquanto responsáveis pelos seus famosos mas hoje desprezados Princípios de Fé e Ordem. Estes Princípio formam a constituição eclesiástica que tornou a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil destacada na rejeição e luta contra a ditadura fascista da qual emergira, e da qual despontasse como igreja insurgente. E com esses Princípios o Compromisso Social herdado do Movimento Igreja e Sociedade na América Latina, revigorado entre os documentos da nova Igreja Presbiteriana Unida do Brasil.

1. Como acontecera com outras denominações protestantes, especialmente aquela da qual se desligara oficialmente desde 1983 (IPB), o pensamento e apoio ao regime autoritário teimava em ser revividos no protestantismo brasileiro e não menos no meio eclesiástico presbiteriano-unido. Embora seu pensamento teológico incluísse o compromisso da Igreja com a sociedade democrática, abertura ao diálogo ecumênico com as demais igrejas protestantes-evangélicas e católicas, e do pioneirismo na defesa dos ministérios pastorais para mulheres, inclusive o presbiterato e diaconato, seus Princípios estiveram ameaçados sob a tentativa recente de retorno ao autoritarismo fascista. Igrejas e pastores aderiram ao bolsonarismo com entusiasmo.


1. Desde a sua fundação, uma série de pronunciamentos às suas comunidades, igrejas, presbitérios, e demais igrejas cristãs e à sociedade brasileira em geral, destacou-se a IPU como denominação presbiteriana dedicada às questões sociais, que a colocavam noutro polo entre outras, face ao pensamento conservador no interior das igrejas protestantes e na sociedade brasileira. A IPU não se furtava em denunciar a fome, desnutrição e mortalidade infantil, aumento das taxas de desemprego, desigualdades de gênero e usufruto dos bens sociais, marginalização, latifúndio e uso da terra, atraso no progresso econômico, economia do país e desenvolvimento sustentável. Com esses temas, discutiam-se em suas assembleias causas da pobreza, da violência e criminalidade em associação perversa nos governos deste país (Conferir abaixo sugestões de leitura).

2. Ao mesmo tempo, a IPU não disponibilizava templos e púlpitos à política eleitoral. Historicamente a denominação se opunha em aceitar apoio de qualquer candidato ou partido político nas suas igrejas, estabelecendo limites entre política partidária, pautas de costumes e questões das políticas públicas governamentais. Em contraponto, destacava a responsabilidade social da igreja e seus membros em relação aos direitos humanos fundamentais, liberdades civis, e proteção do meio ambiente.

3. Contudo, em 2016, pastores dissidentes, conservadores, dentro da IPU, rompendo o distanciamento político-partidário, apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff — que depois foi desqualificado pelo Supremo Tribunal Federal, restaurando-se a inocência, elegibilidade e direitos políticos totais da ex-presidente. Pronunciavam-se aqueles pastores também apoiando a Lava-Jato, força-tarefa conduzida pelo juiz Sérgio Moro — juiz político, posteriormente ministro de Jair Bolsonaro. Com tudo isso e ainda mais, nas eleições de 2018, pastores e igrejas ainda acompanharam Sérgio Moro, juiz que criara leis inconstitucionais contra suposta corrupção nas maiores empresas de construção civil. À frente da Lava-Jato, Moro prendeu, julgou e forçou dirigentes a acordos de leniência e a admitirem crimes que não cometeram sob chantagem e tortura psicológica. Suas ações atingiram médias e pequenas empresas a elas vinculadas, provocando quebra generalizada e desemprego na indústria de construção, quando vários milhões de trabalhadores foram dispensados. Odebrecht, Braskem, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, OAS, UTC e Engevix foram atingidas frontalmente. Moro interferiu também no pleito de 2018 com a prisão e suspensão da candidatura de Luís Inácio Lula da Silva à presidência da República. A condenação e sentenças de Moro, posteriormente, foram anuladas por falta de provas.

Recentemente o ministro Toffoli, do Supremo, além de tornar nulas todas e quaisquer “provas” obtidas dos sistemas utilizadas a partir do acordo de leniência celebrado pela Odebrecht, no âmbito da Operação Lava Jato — que amealhou supostos 11 bilhões em acordos, multas e devoluções, grande parte sem identificação de paradeiro ou destinação, enquanto conduzida pelo então juiz Moro, além das contas bancárias da 13a Vara de Justiça do Paraná que o mesmo presidia. Nesse contexto, anulando aqueles acordos, o ministro Dias Toffoli declarou também que a prisão e condenação de Lula por Moro foi um dos maiores erros judiciários da história deste país.

4. Todavia, desde a sua fundação (1983), a IPU em seus posicionamentos, constantemente considerava-se alinhada com pautas progressistas comprometidas com lutas sindicais, direitos trabalhistas, reforma agrária, erradicação da fome e da pobreza, bem como todas as formas de discriminação racial, e de gênero, em sintonia com sua carta magna “Princípios de Fé e Ordem da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil”. Adotava, inclusive, pautas de discussão e combate à homofobia, e debatia sobre significados teológicos concernentes à defesa dos direitos humanos universais e diaconia social.

Em atitude reversa, desde que instalou-se o governo de Jair Bolsonaro, igrejas e pastores, em grande parte, passavam a apoiar não oficialmente as pautas do governo autoritário de Jair Bolsonaro, considerado um presidente homofóbico e racista confesso, negacionista quanto à democracia e direitos humanos fundamentais. Bolsonaro, sem deixar dúvidas aos seus seguidores, intentava reimplantar a ditadura no Brasil. Período obscuro da história do país que vigorara de 1964-1985. Bolsonaro governava sob insistente pregação ideológica antidemocrática, homofóbica, misógena, racista e contra a igualdade da mulher nas esferas da justiça, do trabalho e da vida pública. Bolsonaro incitava seus seguidores contra direitos humanos fundamentais, contra a Lei Maria da Penha e Estatuto da Criança e do Adolescente, acusando essas pautas de comunistas. Contaminava também esta igreja nacional (IPU) juntamente como as demais igrejas do protestantismo-evangélico. Neste momento o ex-presidente é investigado como idealizador e comandante na tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023, no intento para derrubar o governo eleito nas eleições de 2022. Golpe que o reconduziria ao governo do país em continuidade para restaurar a ditadura.

4. Hoje, a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil parece querer voltar às suas origens progressistas e insurgentes contra regimes autoritários de governo. Apesar de tudo, ameaçada de voltar a ser cópia da IPB, matriz do presbiterianismo brasileiro, antiecumênica, fundamentalista, representante do autoritarismo fascista, a IPU tem a oportunidade de resgatar seus Princípios e pautas progressistas que motivaram sua fundação, quando se afastara da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB). [Ass. Derval Dasilio, primavera de 2023.

(Consultas e Referências obrigatórias: Sinopse Histórica da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, por Derval Dasílio/João Dias de Araújo, 2001, publicação interna da IPU; Traço-de-União, boletim interno, arquivos da IPU; Imprensa Evangélica, tabloide publicado por Domício Costa até 2002; Inquisição Sem Fogueiras, João Dias de Araújo, publicado por Jaime Wright, também disponível em E-Book por Derval Dasilio, 2005; em 2a.Edição impressa, intr. Derval Dasilio, Fontes Editora, 2010; O Celeste Porvir: a inserção do protestantismo no Brasil, Antônio Gouvêa Mendonça, Paulinas, 1984; O protestantismo no Brasil e suas encruzilhadas, Antônio Gouvêa Mendonça – USP, 2003; Uma Igreja Peregrina, Alderi Mattos, Cultura Cristã, 2009; Jaime Wright – O Pastor dos Torturados, Derval Dasilio, Metanoia Editora, 2012).

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